quarta-feira, maio 21, 2014

Crônica: Asa e portão brancos


Bora trabaiá! De novo, paro pra escrever na praça. A 2 minutos a pé da entrada do prédio da TV e mais oito lances de escada. Sob os assovios afinados de um pintor que executava sua arte com tinta branca e um portão, vim.

Desci escadas para chegar ao ponto de ônibus. Mal deu tempo de chegar, já veio o coletivo. Entrei. Vazio. Bendito contrafluxo que me leva e me traz do trabalho. Li o livreto de Fernando Pessoa, com poemas assinados também pelos heterônimos do escritor. Desci no mesmo ponto que um senhor que não tinha uma das pernas. Apesar do peso do homem (que não parecia pouco), ele mostrou desenvoltura na manobra. Imaginei quanta dificuldade este já passou (e passa) para ter tamanha prática.

No ônibus, (voltando a ele) praticamente vazio, tinha uma moça morena, bonita (nada exagerado) e que carregava consigo um jeito de quem trabalha muito. Uma cara de quem já tem uma carga de sofrimento e que estava pronta pra batalha naquele dia. Desceu em frente ao Shopping União. Trabalhar em shopping não deve ser moleza. Longe de grande elegância, a moça de seus 23 anos usava um jeans cinza (já mais surradinho), blusinha azul, dessas baratinhas de baciada, um anel prateado e com figuras, no dedo anelar direito. Em compensação, o tênis, que pode ser o responsável (um dos) por mantê-la em pé (talvez) e firme no trabalho, esse era de marca e não dos mais baratos. Afinal, trabalhamos pra isso e eu ainda estou lembrando dos assovios afinados do porteiro entoando Asa Branca, de Luiz Gonzaga.

Ao voltar à noite, subi as escadas que desci de manhã. Já não estavam mais nem o pintor, nem a Asa Branca. Nem reparei se o portão estava finalizado, se já estava tudo branquinho, mas já do primeiro degrau da subida, não dava pra não sentir o cheiro da tinta que estava no ar.


Escrito em 03/04/2014

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