Nós retrocedemos e parece que esvaziamos todas as funções
básicas do nosso sistema operacional. O programa de texto não reconhece mais as
palavras. As planilhas começam a calcular errado. Os programas de desenhar e
pintar agora trabalham só com branco e preto. Jogamos fora muito além do que
precisávamos.
Surge, no Brasil, a pandemia. Junto com ela, ideias do
início do século passado voltam à tona. Sabe quando você está jogando um videogame
e já avançou muitas fases? Já vencemos batalhas, superamos etapas e quando já
estávamos bem à frente, foi como se a luz tivesse acabado e nosso jogo, que não
salvamos na memória, se perdeu. Vamos ter que começar do zero...
Em pleno ano de 2020, as vacinas viraram ponto de
interrogação. Institutos renomados mundialmente, como o Butantan, tiveram que
despender trabalho em se organizar para uma campanha massiva em rádio e
televisão para dizer: “Olha, a gente trabalha nisso há 101 anos, o mundo confia
no que a gente faz. Somos confiáveis, viu, população brasileira?”
Esse é só um dos exemplos. A internet deu voz para todos, inclusive para quem não tem o que falar. Mas, a necessidade de dizer algo é tanta que liga a câmera e vai. Só que nessa ida, leva muita gente de carona que engrossa o coro de quem nada tinha a acrescentar. A pretensão de julgar-se apto a elaborar teorias promove vozes que, sem propriedade alguma, levantam dúvidas e sugerem desconfiança. No final, isso só contribui para a incerteza e desqualificação de quem de fato deveria ser a referência e, acaba não sendo, pura e simplesmente porque a pessoa duvida e pronto. Por que duvida? Não tem um porque, só duvida mesmo. E reforça a estupidez questionando o direito que possui de duvidar.
Graças a sei lá o quê, o ano acaba amanhã. O que vai mudar?
Só o 1 do dígito final. As pessoas continuarão espelhadas na ignorância. E
quando digo ignorância, nesse caso, serve nos dois sentidos: o de
desconhecimento e o de rispidez. Afinal, essa ignorância é o que hoje nos
representa perante o mundo. Ao olhar para cá, pensam: o que será que aconteceu
com aquele Brasil do povo hospitaleiro e de calor humano?
A resposta é que aquele Brasil, de fato, nunca existiu.
Continuamos um país preconceituoso com a nossa própria cara. Continuamos um
país hipócrita, laico, de maioria cristã e que, se for pra vir um Cristo com a
imagem e semelhança de quem o diz representar aqui, segura aí, não vem, não.
Continuamos um país perigoso nas ruas e em casa, principalmente para mulheres,
meninas e crianças em geral. Continuamos sendo um país repleto de Bolsonaros ao
nosso redor. Sim, aquele seu tio do pavê que faz piada misógina, é um deles.
Aquele seu vizinho crente que bate na mulher, idem. Aquele dono de comércio com
nome de santo que assedia as funcionárias ou põe o segurança em total atenção
com clientes negros, também. Tudo isso é o Brasil. O país sem vacina.
Mas, em 2018, você apertou 17, táoquei? Ah, você não
apertou? Então, você é da turma que falou que políticos são todos iguais e
anulou? Espero que você tenha aprendido. Não acredito nisso, mas, torço. Eles
não são todos iguais. E a desigualdade deles reflete na nossa. Estamos
desiguais a boa parte do mundo, que começou a tentativa de salvar vidas. Ele
Não.
E daí? Não ligo pra isso – disse ele. E você também, quando
apertou o Confirma. Plantamos um laranjal. De lá, não se colhe maçãs.