Na real, na real mesmo, nem sei
porque eu escrevo poesia. E olha que, na minha memória, eu já até escrevi uma
sobre esse tema, mas, agora, é prosa. É pra trocar essa ideia com você que me
lê, com você que me ouve.
Pra que escrever poesia? Na real,
na real mesmo, ninguém liga. É exótico, é bonitinho, quando você viaja, até compra
alguns exemplares da literatura de cordel, naqueles livretinhos. E acha caro
pagar 2 ou 3 reais porque a qualidade do papel isso, o material pra fazer,
aquilo, e por aí vai.
Na real mesmo, sabe quem liga pra
poesia? Você que veio ao sarau, você que, propositalmente parou em algum texto
meu ou de qualquer outro escritor por aí. Sabe quem mais gosta de poesia? Um
músico ou outro...
Sim, tem músico que não gosta de
poesia, e pior, nem entende que o que ele interpreta é poesia. Às vezes e não é
raro, não tem a menor ideia do que está cantando. Hoje onde se vê poesia e
versinhos rimados? Em comerciais, propagandas, mas, ninguém nem percebe. Sabe
onde mais tem poesia? Em alguns programas e desenhos infantis que rimam e rimam
e rimam sem parar. E se você é um ou uma que gosta, ganha a fita e pode até se
perder no conteúdo só pra viajar na construção das rimas. Sou desses.
Eu sou da rima, da poesia e pra
piorar o pacote de coisas que ninguém liga, sou ainda do samba. Ah, mas você
vai me dizer: o samba é popular, muita gente gosta. Sim, o pessoal gosta da
festa, do carnaval, dos pagodjé (obrigado Thiaguinho, não poderia nos oferecer
termo mais sonoro e adequado pra distinguir samba, pagode e esse som descendente
do que um dia foi nosso som original).
O samba é ou era pra ser poesia,
história (o samba enredo, mesmo comercializado, ainda cumpre esse papel). A
poesia do samba fica só pros termos: Jorge Aragão, o poeta do samba. Fulano de
tal é “um dos poetas do samba”, como cantou Zeca Pagodinho, em 1992, no disco
que leva exatamente esse nome.
O samba, em sua essência de
poesia, sabe quem liga? Alguns poucos poetas, muitos especialistas na poesia
talvez não conheçam o mundo do samba internamente. Então, é assim: o músico nem
sempre gosta de poesia. O poeta nem gosta de samba e, às vezes, nem o próprio
poeta gosta de poesia. Como assim?
Se possível, você ouve as músicas
dos seus amigos? Você lê o que a galera do seu quarteirão, do seu bairro, da
sua cidade escreve?
Por muita gente não gostar de
verdade de poesia, o espaço fica reduzido ao formato microfone aberto, batalhas
disso, batalhas daquilo, saraus e slams. O próprio slam é um contraponto: o
formato de confronto, duelo de textos traz a seguinte reflexão: escrever para
desabafar, pra contar o que sinto ou para lacrar no rolê? E falo isso sem
demérito algum, ok? A galera que conheço de slams são ultra mega power
escritores. Mas, o intuito pode se modificar. A palavra pode ser outra para
arrancar um pow pow pow com suas rimas. E de forma racional, pensado
exclusivamente pra isso.
Quando assisti ao filme-documentário
‘Slam: A Voz de Levante’, entendi a origem: o dono do bar que rolava o
microfone aberto para poesias percebeu que havia uma debandada de público nessa
hora e, como todo mundo gosta de uma treta, que tal confrontar poesias? Hoje,
sucesso com o formato, slammers alçaram voos lindos e histórias inspiradoras.
Poesia, por si só, ninguém liga. Se não houver confronto, duelo... Duelar
versos, ideias, sentimentos... já não bastam os confrontos internos que nos
fazem escrever poesias?
E a gente segue escrevendo, mesmo
que ninguém ligue.