segunda-feira, outubro 29, 2018

Vários Nãos


Não queria começar esse poema
Pedindo a você empatia
Por algo que não é seu problema

Não adianta eu pedir seu cuidado
Com quem sofre pelo que é, todo dia
E pedir que você fique ao lado

Não posso esperar sua comoção
Em um discurso pela democracia
Se não viveu sob opressão

Não despertarei seu sentimento
Sobre preconceituosas fobias
Em cada ataque violento

Não creio que assumirá tal postura
Quem releva, se abstém ou silencia
Posiciona-se: a opressão atura

Não ouvirei levantar sua voz
Por quem sofre covardia
De ataque como agora, feroz

Seus vários nãos são positivos
Indicativos de sua posição
Omitir-se, jeito um tanto expressivo

É uma forma de corrupção
Há o consciente infrator ativo
E o que encobre a visão

Há quem não veja motivo
Pra tanta preocupação
Curiosamente, se chama passivo
Ao discurso sem paz, ELE NÃO

Madeira de Lei

Meu sono anda perturbado
Por um sombrio passado
E a iminente volta
Tanto que massacre, tortura
Têm sido abrandados
Com nome de movimento e revolta

Revolta, reviravolta, revólver
Radical de revolução se dissolve
Sob a batuta nada musical do canadura
Será tudo como o tempo bom de antes
Anuncia: Se der no jornal, remove
Das bibliotecas, das escolas, das estantes

Militantes! Gritam e gritam os militares
Militar a limitar conteúdos escolares
O tira retira, raso como a patente
Afronte à sua pretensa postura
História não é Exatas, então são incontáveis
A dor de um passado, se faz tão presente, tristemente perdura

Transparente, sem gente no  cavalo de madeira
O pau vai cantar, não como na missão de Nogueira
Madeira de lei ou a lei da madeira, brutal?
Troncos quebrados por fúria
Publica-se um bolo de macaxeira
Versão espúria, editada a mando: ‘sim senhor, general’

domingo, outubro 28, 2018

O Olhar ao Sol

Olhar o sol nos fere
A vista, e com tempo, a pele
Acostumamos estranhá-lo
Escuridão prevalece
Quando se ousa encará-lo
Ao invés de luz, escurece

O olho estranha claridade
Luz que nos mostra verdade
Porque o escuro é o natural
Luz? Artificial, digital
Nosso olho se torna covarde
Retraído no mundo real

Encolhe-se ao sol, conforta-se à luz
À noite, o que aflige é o temor na rua
Cruel rotina que nos blinda do sol
Faz de nós escondidos, um figurante que atua
Ofuscados no holofote, ou no caso, um farol
O breu nos rende da forma mais crua; e nua

Mãos formam aba ou sobem em proteção
Espalmadas ao alto, têm maior dimensão
Perspectiva que o sol dá pra segurar
Nem na mão, nem no olhar cabe a imensidão
Nem o sol, nem o mundo podem se limitar
Se optar pela luz que se acende em botão

quarta-feira, outubro 24, 2018

Quando você diz: “eu sou do samba...”

Saiba que a cada acorde que suas cordas executam, a cada ‘tum’ de sua percussão, você carrega com você o samba ‘do tempo que quem fazia corria do camburão’. Se hoje você curte samba, é porque muita gente plantou e hoje você só semeia e balança a bandeira num ritmo diferenciado do que os pioneiros fizeram.

Muito antes do período de autoritarismo e bem pouco depois do registro do primeiro samba, nos anos 1910 e 1920, o preconceito com nossa música, com nossa dança, com nossa origem já eram tão presentes que calos nas mãos e até vestimentas eram os crachás de músico, razão suficiente para aprisionar um dos nossos como vagabundo.

Se você não sabe que sua música resistiu à ditadura, à repressão policial e sua principal razão é denunciar nossas dificuldades e toda a opressão que sofreu ao longo dos anos, militar ostensiva e política, por que você faz samba?

Ser do samba é ser combate à repressão, combate ao preconceito e acima de tudo, ser combatente. Contra quem queira diminuir nossas origens territoriais, culturais e religiosas.

Quando você cita Bezerra da Silva, você trata de denúncia das agruras do nosso povo. Zeca Pagodinho não fica atrás em seu microfone aberto berrando ao mundo tudo o que passamos aqui. Nosso samba não é só ‘mania da gente’. Invadimos os casarões, as avenidas e, a cada passo, repressão, preconceito e luta. O espaço só foi conquistado assim. Ninguém saiu abrindo as portas pra gente. Se não fossem os ‘números baixo’ meterem o pé na porta, ainda estaríamos restritos lá nos quintais da casa-grande.

Hoje, você paga VIP pra ouvir um ‘pagodin’ e tomar suas bebidas medidas em anos e energéticos. O Bar da Esquina não faz mais sentido pra você, jovem sambista.

A cada samba que você ‘exalta’ (sem demérito na referência, de verdade), lembre-se que, se não fosse Martinho, teríamos sido suplantados pelo iê-iê-iê e pelas guitarras da década de 70. Ah, se não fosse a batida de partido-alto e a resistência.

Se você diz que é do samba, você PRECISA saber que o samba ‘perdeu sua voz de lamento’. Se você nem sabe do que se trata isso, todos esses trechos em itálico contam um pouco do que me refiro. ‘Quem faz samba, faz a história de um lugar’. Se você só curte a música pela festa com os ‘parça’, pela balada e por ser um som agradável num churrasco com os amigos, você nunca vai entender que “NINGUÉM FAZ SAMBA SÓ PORQUE PREFERE”.