Saiba que a cada acorde que suas cordas executam, a cada ‘tum’
de sua percussão, você carrega com você o samba ‘do tempo que quem fazia corria
do camburão’. Se hoje você curte samba,
é porque muita gente plantou e hoje você só semeia e balança a bandeira num
ritmo diferenciado do que os pioneiros fizeram.
Muito antes do período de autoritarismo e bem pouco depois
do registro do primeiro samba, nos anos 1910 e 1920, o preconceito com nossa
música, com nossa dança, com nossa origem já eram tão presentes que calos nas
mãos e até vestimentas eram os crachás de músico, razão suficiente para
aprisionar um dos nossos como vagabundo.
Se você não sabe que sua música resistiu à ditadura, à
repressão policial e sua principal razão é denunciar nossas dificuldades e toda
a opressão que sofreu ao longo dos anos, militar ostensiva e política, por que
você faz samba?
Ser do samba é ser combate à repressão, combate ao
preconceito e acima de tudo, ser combatente. Contra quem queira diminuir nossas
origens territoriais, culturais e religiosas.
Quando você cita Bezerra da Silva, você trata de denúncia
das agruras do nosso povo. Zeca Pagodinho não fica atrás em seu microfone
aberto berrando ao mundo tudo o que passamos aqui. Nosso samba não é só ‘mania
da gente’. Invadimos os casarões, as avenidas e, a cada passo, repressão,
preconceito e luta. O espaço só foi conquistado assim. Ninguém saiu abrindo as
portas pra gente. Se não fossem os ‘números baixo’ meterem o pé na porta, ainda
estaríamos restritos lá nos quintais da casa-grande.
Hoje, você paga VIP pra ouvir um ‘pagodin’ e tomar suas
bebidas medidas em anos e energéticos. O Bar da Esquina não faz mais sentido
pra você, jovem sambista.
A cada samba que você ‘exalta’ (sem demérito na referência,
de verdade), lembre-se que, se não fosse Martinho, teríamos sido suplantados
pelo iê-iê-iê e pelas guitarras da década de 70. Ah, se não fosse a batida de
partido-alto e a resistência.
Se você diz que é do samba, você PRECISA saber que o samba ‘perdeu
sua voz de lamento’. Se você nem sabe do que se trata isso, todos esses trechos
em itálico contam um pouco do que me refiro. ‘Quem faz samba, faz a história de um lugar’. Se você só curte a
música pela festa com os ‘parça’, pela balada e por ser um som agradável num
churrasco com os amigos, você nunca vai entender que “NINGUÉM FAZ SAMBA SÓ
PORQUE PREFERE”.