quarta-feira, outubro 24, 2018

Quando você diz: “eu sou do samba...”

Saiba que a cada acorde que suas cordas executam, a cada ‘tum’ de sua percussão, você carrega com você o samba ‘do tempo que quem fazia corria do camburão’. Se hoje você curte samba, é porque muita gente plantou e hoje você só semeia e balança a bandeira num ritmo diferenciado do que os pioneiros fizeram.

Muito antes do período de autoritarismo e bem pouco depois do registro do primeiro samba, nos anos 1910 e 1920, o preconceito com nossa música, com nossa dança, com nossa origem já eram tão presentes que calos nas mãos e até vestimentas eram os crachás de músico, razão suficiente para aprisionar um dos nossos como vagabundo.

Se você não sabe que sua música resistiu à ditadura, à repressão policial e sua principal razão é denunciar nossas dificuldades e toda a opressão que sofreu ao longo dos anos, militar ostensiva e política, por que você faz samba?

Ser do samba é ser combate à repressão, combate ao preconceito e acima de tudo, ser combatente. Contra quem queira diminuir nossas origens territoriais, culturais e religiosas.

Quando você cita Bezerra da Silva, você trata de denúncia das agruras do nosso povo. Zeca Pagodinho não fica atrás em seu microfone aberto berrando ao mundo tudo o que passamos aqui. Nosso samba não é só ‘mania da gente’. Invadimos os casarões, as avenidas e, a cada passo, repressão, preconceito e luta. O espaço só foi conquistado assim. Ninguém saiu abrindo as portas pra gente. Se não fossem os ‘números baixo’ meterem o pé na porta, ainda estaríamos restritos lá nos quintais da casa-grande.

Hoje, você paga VIP pra ouvir um ‘pagodin’ e tomar suas bebidas medidas em anos e energéticos. O Bar da Esquina não faz mais sentido pra você, jovem sambista.

A cada samba que você ‘exalta’ (sem demérito na referência, de verdade), lembre-se que, se não fosse Martinho, teríamos sido suplantados pelo iê-iê-iê e pelas guitarras da década de 70. Ah, se não fosse a batida de partido-alto e a resistência.

Se você diz que é do samba, você PRECISA saber que o samba ‘perdeu sua voz de lamento’. Se você nem sabe do que se trata isso, todos esses trechos em itálico contam um pouco do que me refiro. ‘Quem faz samba, faz a história de um lugar’. Se você só curte a música pela festa com os ‘parça’, pela balada e por ser um som agradável num churrasco com os amigos, você nunca vai entender que “NINGUÉM FAZ SAMBA SÓ PORQUE PREFERE”.

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