segunda-feira, dezembro 30, 2019

Coquetel de Natal

Abre a porta, escancara
Do armário, dos fundos
E põe a cara no mundo
Encara, vai fundo
Embala no assunto
Que só nele se fala
E vamos pensar junto

Jesus Cristo, o personagem
Idolatrado, inatacável
Gay? Parece improvável
Na filmagem, viável
Uma revolta selvagem
Um ódio inflamável
Terrorismo em mensagem

Não se captou a profundidade
De tamanha covardia
Ato em conformidade
Pra punir a heresia
Era Noite de Natal quando a bomba explodia
Era um coquetel nada elegante
Pra quem se diz representante
De José e de Maria
E do personagem mais importante
Que logo logo nasceria

O país a se revoltar
Por humor, irreverência
Pela fé, satirizar
Não posso exigir coerência
Se revoltar por ver ofensa
À imagem do senhor
Só que aplaudem torturador
Botaram um na presidência
Com apoio do pastor

Jesus já foi diversas vezes retratado
Quando sai do estilão dos europeus
Galegão dos olhos azuis,
Não faltam críticas a quem retratou Jesus
Por vezes, negro interpretado
Também foi alvejado
Assim como aquele da cruz
Tanto tempo já passado
Que se ele é de fato a luz
Contra a luz, fica ofuscado

Qualquer perfil diferenciado
Deveria ser aceito
Isso sim seria respeito
Se ele nos fez a imagem dos seus
Não importa a imagem de Deus
Como homossexual, negro, mulher
O mesmo Cristo torturado
Continua apedrejado
Se cada um vê como quer

quinta-feira, dezembro 12, 2019

Paraisópolis = 17 - 9




Paraisópolis, quanta ironia
Cidade Paraíso
Que nome mais impreciso
Pro cenário da agonia

Lá, como em qualquer outro lugar
Se mata, se morre, se sobrevive
Nem precisa dos 'Steve', de detetive
Lá se julga, lá se apaga, dão o nome de limpar

Sim, eles que ficam do muro pra dentro
Não conseguem conceber
Que ali, Morumbi, ao redor possa ter
Nem digo gente, seres sem rendimento

Pulando da mansão pra favela
É tudo numeral
O baile da 17
Morreram 9
Do lado policial, prenderam 6
A idade dos mortos: 14 a 23
38 PMs na ação
5 mil na confusão
Saldo: medo, alguns corpos feridos
Encurralados, pisoteados, resumidos
A sangue, sem vida, no chão

Na Paraisópolis, o paraíso passou longe
Pra quem não é do bonde
O pancadão é um inferno
Só que a droga lá vendida
Também é consumida e escondida
Em alinhados bolsos de terno

"Lá tinha o quê? Só droga e putaria
A polícia tinha que agir, como faria?"
De verdade, verdade mesmo, eu só queria
Que houvesse a mesma valentia
O mesmo riso de ironia
Quando o baile é na periferia
E nos pico de patrão e diretoria

Que a cor não fosse fator
Que o breu pudesse se impor
Ao contrário, mesmo no escuro
No paraíso do senhor
Ele é alvo sem um muro
Afinal, o muro é pra deixar seguro
Quem tem o jardim com flor

Cerca elétrica, choque, armas, cassetete
"O que estava num baile funk, com 14, esse pivete?"
O Estado não mudará a forma de policiamento
"É isso aí" - aquela galera repete
É o que eu chamo de discurso de alinhamento
Talvez pro moleque, o único divertimento
O último... o baile da 17

Mais uma vez, mortes e 17 na mesma frase.