quinta-feira, julho 14, 2022

O Último

Eu queria que cada um
A quem esse verso chegasse
Pelo menos, um instante pensasse
Que é a última vez que vai lê-lo (ou ouví-lo)
Sabe por que digo isso?
Porque eu queria ter um aviso
Um alarme ativo de última vez

Pra que ao despedirmo-nos num abraço
Soubéssemos que não haveria um próximo
Quando acabaram as aulas no colégio
Quando se despediu na formatura da faculdade
Quando mudou daquele prédio
Ou deixou uma cidade

Hoje, não importa o dia que está
Pode ser a última vez
Eu não podia imaginar
Que aquele seria o último dos pavês

Sim, o pavê de limão da minha mãe
É meu doce preferido na vida
E eu que nem fotografo comida
Registrei aquela tigela já na metade
Tamanha minha felicidade
Ter devorado além da medida
Ficou a foto, a última foto
No facebook, ano a ano revivida

Meu avô e minha mãe partiram num sábado
Em ambos eu os vi na quinta
Dei um beijo e o último abraço
O de despedida

Saí pela porta sem ter noção
Como eu queria
Que nossos encontros dia a dia
Trouxessem a notificação
Que o último seria

Já que tudo hoje nos notifica
Quem sabe a gente notaria
E desse mais atenção

Já que dizem que tudo está no destino
Nossos últimos encontros devem estar lá
Talvez ilustrado, tudo escrito
Certeza que está
É esse o último capítulo
Desse personagem atuar

A página avança
Próxima linha no sumário
A gente só não lê no rodapé
O asterisco necessário
Nem ao fim lá no glossário
A definição exata
Alerta de última data
Último almoço, última janta
Última trepada

Sempre haverá novos últimos
Aqui, ao seu redor, tem muitos
A gente só não vai saber o número da página

Antes de dar o ponto final
O último e consciente ponto final desse poema
Qual a última vez que você lembra
Que fez algo pela última vez
E nunca mais fará igual
Um último beijo, um último adeus
Um último encontro, o último tchau

Últimos...
Escrevi certa vez que o último "eu te amo"
Foi mais fácil que o primeiro de dizer
Quando não se diz mais
O último já foi dito
Nada mais a se fazer

Tem últimos que são livramentos, desapegos
Só que tem últimos disfarçados de primeiros
Disfarçam tão bem que viram últimos costumeiros
Repetimos que é o último e nunca é de verdade
Pois, tem últimos que deixam saudades

Últimos sabores como o toque de limão do pavê
Último toque de um incomparável prazer
Últimos giros do ponteiro
Não alertam da validade
Da última vez, da última chance
Da última página do romance
Da última onda que invade
Pra que o castelo de areia desmanche

A vírgula dá pausa à frase
Na vida, não há esse sinal
Só que respira e segue adiante
Meu poema eu defino, ponto final.

quarta-feira, julho 13, 2022

Mais Difícil Falar da Alegria

É mais difícil falar da alegria
Que da tristeza
Você já reparou?
Não é só coisa da minha cabeça

Uma amiga me contou
Que ouviu isso outro dia
Eu concordei
Argumentar o contrário, nem poderia

Afinal, minha própria poesia
Poucas vezes contemplou
O amor de um casal feliz
De lábios em beijos sutis
Ter um amor pra dar bom dia
Lembranças doces, pueris,
Ou o orgasmo que sacia

Tristezas são lindas em versos
Chorosos, minguantes, contidos
A felicidade, repleta de superlativos
Adjetivos e excessos

Tristeza, o poeta decifra
De tão habitual, verbaliza
A linha do verso, sucinta
Uma palavra e a pausa, respira

Já a felicidade
Com seu quê de rara
Embaralha a frase

Às vezes, nem sai
O poeta começa e para
O verso não vem 
A caneta não vai