quinta-feira, janeiro 28, 2021

Até Onde Eu Sabia

Até onde eu sabia
Cada um tem sua função
A experiência lhe concedia
Habilidade na profissão

Até onde eu sabia
O cozinheiro cozinhava
A costureira cerzia
O professor ensinava

Até onde eu sabia
O mecânico consertava
Pintava na funilaria
Pneu, a borracharia arrumava

Até onde eu sabia
A carne, o açougueiro cortava
A atendente te recebia
E a caixa te cobrava

Digo "Até onde eu sabia"
Porque eu acho que eu não tô sabendo mais
Em 2021, numa pandemia global
Se questionam Órgãos de saúde mundiais

Até onde eu sabia e o Ministério da Saúde advertia
Em caso de necessidade, procure um médico
Não é por nada, não, 
mas, acho que esse é um caso de necessidade
Aí aquele tio do zap acredita no cap.
no mentecapto do capitão reformado
O mundo inteiro tem pesquisado, estudado
Mas, o certo é o presidente do Brasil
Não, porra! Cala a boca, imbecil!

Até onde eu sabia, a tia que via a receita da Ana Maria 
Só palpitava se no bolo vai coco ralado ou não
Agora, formada no whats, com pós no face
Sempre dá opinião

Até onde eu sabia
Quando se ia na oficina
O médico apontava
É a rebimboca da parafuseta
Não cabia discutir, se a peça era da China
Afinal, ele que manjava
Como tentou respeitar o Mandetta
Hoje, poderiam questionar
Pega seu carro então
E leva pro padeiro olhar
Até onde eu sabia
Padeiro fazia pão

IMUNOLOGISTAS
Esse é o nome da profissão
Com a missão de nos salvar
Estão com nossas vidas na mão
Eles, os médicos e os cilindros de ar
E devido à apatia
Um pouco de fé, não faz mal, não
Vale também se ajoelhar

Até onde eu sabia,
o mundo todo sabia
Que poeta faz poesia
Vacina combate pandemia
Sua pretensa sabedoria
Ignorante com valentia
Só deveria se calar

quarta-feira, janeiro 27, 2021

Como Chegamos a Esse Ponto?

Como chegamos a esse ponto?
E não é o final, ainda tem mais oração
Ponto final, parágrafo, na outra linha, travessão.
- Vacinação vai começar dia D, na hora H
Houve uma série de piadas usando outras siglas
Gerou repercussão
Era essa ideia, todo mundo comentar

Querem piadas, pois fazem de nós, piadas
Ou fazem piadas de nós, como queiram
Somos os personagens da anedota
Eles invertem o papel
Fazendo a gente de idiota

Sendo que o maior dos idiotas
Está lá no planalto
Elegeram com a desculpa (esfarrapada)
Que ele acabaria com o assalto
Às contas do país

Ele só acabou mesmo com o país
Não com o assalto, ao contrário
Pra isso, os filhos lucram alto
Chocolates, laranja, açaí
Tudo na área alimentícia
Sabe aquele posto do Pergunta ali?
Guedes é falácia, evolução fictícia
Queiroz e o condomínio da milícia
E nem precisam fugir
Está com eles, a polícia
O policial, cidadão
E a instituição, até esfera federal

Moro, Weintraub, Damares e Salles,
Todos fizeram parte
Desse genocídio infernal
Desde o começo com Mandetta
Até o capeta deve olhar com muito orgulho
O que fez e faz esse pessoal

Como chegamos a esse ponto?
Que o Butantan, centenário
Tivesse a confiança discutida
Com tanto argumento precário?

Como chegamos a esse ponto?
Que tomar vacina é errado
Que cloroquina salva vida
Que seu DNA será chipado

Como chegamos a esse ponto?
Desacreditar do especialista
A burrice se encontrou com a prepotência
Que é tudo uma conspiração comunista

Como chegamos a esse ponto?
Do imbecil perder a vergonha de ser
De seu achismo se opor à ciência
Talvez, eu consiga entender
Elas se veem no espelho
A estupidez elevou ao poder
Aquele filho da puta
Que ocupa a presidência

terça-feira, janeiro 26, 2021

Amor a Lápis

Às vezes eu tento falar de amor
De coração, de sentimento
Meu percurso com a caneta mira a flor
Brotando, florindo em seu olor
Balançando com o vento

Assim que a caneta toca o papel
Com seu azul mais escuro
Que aquele azul clarinho do céu
O punho fica mais tenso, inseguro
Não o desenho como pincel

Esse pode ir nas primárias
Secundárias, aquarelas
Podem criar misturas
Mais cores, texturas
Pra pintá-la tão bela
Canetas são pra documentos e assinaturas
Amor se escreve a lápis,
Se apaga, se rasura
Se contorna em sombra e detalhes
Mas tem validade, o tempo apura
O dito hoje, amanhã não são verdades

Sim, se ama hoje e amanhã, não
Pois o fim do amor não é um fato
É uma percepção

Amor pode ser ilustrado
O rosto do ser amado
Mas, pra virar dor, basta um borrão
Uma lágrima que cai
E molha a cor da tinta que escolheu
Talvez o valor da obra morra
Assim como o amor que morreu

segunda-feira, janeiro 25, 2021

Brancos Aventais

Deu um branco na hora que comecei a escrever
Era exatamente sobre o branco que eu ia dizer
Não o branco, a pessoa
O branco da roupa, o branco-paz

Que todo mundo no ano novo
Procura roupa nova
Renova a esperança
Espera zerar a hora
Aguardando a bonança

Os tempos bons que hão de vir
Pra superar suas tempestades
Branco sugere pureza
A limpeza das maldades

Só que o branco do ano que acabou
Foi dos aventais
Contágios virais
Experiências medicinais
E a gente ainda não se curou
De um povo que relaxa ao vírus
Que o combate não se dá nos tiros
Que com rojão iluminou

O céu
O mesmo céu que clamamos pelas vidas
O mesmo céu que demos boas-vindas
2021, e como ouvi: "2 mil e evite uns"

O branco vira pó nessas comemorações
O pó se perde no vento e no pensamento
O ano, por si, não nos traz razões
Pra amenizar o sofrimento
É tanta dor, é tanta morte
Não é só falta de sorte
Que nos abandonou ao relento

Não creio que seria diferente
Se eu pedisse: tempo, volte
Não atenderia ao requerimento
A faca contra a gente
Tem afiado o corte
Bem mais fundo, bem mais forte
Mais letal, mais violento

Em nome de Deus e da moral
A bandeira nacional
Verde, amarela e cristã
Estendida no varal
Virou símbolo mundial
Do que há de mais sangrento
Torcida, derrama lágrimas
Que secam junto com o cimento

domingo, janeiro 10, 2021

O Palhaço no Espelho

Dizem que o palhaço é triste
Que não manifesta
O desgosto
Que insiste

Dizem que ele empresta
A musculatura do rosto
O sorriso se basta
O ingresso é o custo

E assim que a plateia vira as costas
A farsa imposta
Se desgasta
A real expressão da pessoa contrasta

Parece que é assim pra qualquer artista
Seja o palhaço, um poeta, uma equilibrista
A diferença é uma linha, um risco
A maquiagem, um verso, um rabisco

Entre a felicidade e o oposto
Quando o travesseiro encosta
No espelho o que está exposto
Ao dono do olhar se dá a resposta.

quinta-feira, janeiro 07, 2021

Garotos Entregues

Era tarde da noite, quase uma da manhã, dois jovens, visivelmente esgotados, empurravam suas respectivas bicicletas pela Avenida Prefeito Hirant Sanazar, em Osasco. Por que estariam empurrando em vez de se utilizarem do próprio veículo para se locomoverem?

Como já disse, pareciam estafados fisicamente. Cada um tinha nas costas a bolsa que indicava trabalharem para aplicativos de entrega de comida. Uma era vermelha, facilmente reconhecida. A outra, mais escura, não consegui reconhecer. Talvez nem fosse desses apps. Poderia ser específica de algum restaurante.

Não é nessa visão que pretendo me concentrar. Meu foco foi o cansaço visível pelo modo desajeitado do passo, como em situações que precisamos ultrapassar nosso limite de exercício esperado. Pensei em como era contraditório dois jovens, duas bicicletas e eles empurrando-as, em vez de montarem-nas para pedalar.

Lembrei que, muitos anos atrás (não sei dizer quantos), empurrei minha bicicleta por quilômetros na Rodovia Anhanguera. À época, nem sei dizer se celular já existia como um item mais comum. Não me recordo de possuir um nesse tempo, talvez um bip (pager), o que é certeza que não existia eram os aplicativos de entrega de comida.

Minha caminhada ciclística (empurrando a magrela) se deu pois a bicicleta do amigo Tiago, que estava comigo, furou o pneu e ainda estávamos longe do Parque São Domingos, onde morávamos, na capital paulista. Aprendi com a vida que "quem vai junto, volta junto". Não o deixaria empurrando e viria no pedal. Assim foi. Anos depois, soube do falecimento do Tiago, por uma ex-dele, amiga em comum. Fechados os meus parênteses - assumo, extensos - desta história, volto a Osasco e aos garotos.

Pensei em quantas entregas teriam feito naquela noite que justificariam o claríssimo e aparente cansaço. Cheguei até a pensar se eles estariam com fome, o quanto isso elevaria à décima potência o grau de quão contraditória era a cena. Cogitei a possibilidade de ter ocorrido com eles o mesmo que com o Tiago e comigo, mudando só o local da cena. E o horário também, já que era plena madrugada e em minha visão, acompanhava o sol se pondo.

Eu passei por eles e pensei até em como ajudar, mas, convenhamos, como ofereceria qualquer ajuda? Como abordaria? Com certeza, estranhariam a generosidade. Eu, no lugar deles, estranharia também. E no mesmo instante que dei seta para a direita e mudei da faixa esquerda para a central, tomei um buzinaço de um carro logo atrás que me fez retomar a atenção somente na via, devido à barbeiragem que acabara de cometer, mudando de faixa na pista sem a devida observação ao retrovisor. O descuido, fruto do sono e até de um relaxamento devido ao horário de menos fluxo fizeram com que eu esquecesse esse fato e essa visão ali, na hora.

Ao relembrá-lo para escrevê-lo, posso ter carregado as palavras em algumas observações e despercebido detalhes da cena. Todavia, o que escrevo quase sempre começa em minha cabeça como uma pergunta que, muitas vezes, abre para outra, outra e mais outra.

Será que aqueles meninos ainda estavam longe de casa?

Será que a bike está boa pra ele trabalhar hoje?

Será que conseguiu descansar?

E muita gente se aborrece de descer o elevador pra receber a comida das mãos desse garoto.