terça-feira, novembro 05, 2019

Ninguém liga pra poesia


Na real, na real mesmo, nem sei porque eu escrevo poesia. E olha que, na minha memória, eu já até escrevi uma sobre esse tema, mas, agora, é prosa. É pra trocar essa ideia com você que me lê, com você que me ouve.


Pra que escrever poesia? Na real, na real mesmo, ninguém liga. É exótico, é bonitinho, quando você viaja, até compra alguns exemplares da literatura de cordel, naqueles livretinhos. E acha caro pagar 2 ou 3 reais porque a qualidade do papel isso, o material pra fazer, aquilo, e por aí vai.


Na real mesmo, sabe quem liga pra poesia? Você que veio ao sarau, você que, propositalmente parou em algum texto meu ou de qualquer outro escritor por aí. Sabe quem mais gosta de poesia? Um músico ou outro...


Sim, tem músico que não gosta de poesia, e pior, nem entende que o que ele interpreta é poesia. Às vezes e não é raro, não tem a menor ideia do que está cantando. Hoje onde se vê poesia e versinhos rimados? Em comerciais, propagandas, mas, ninguém nem percebe. Sabe onde mais tem poesia? Em alguns programas e desenhos infantis que rimam e rimam e rimam sem parar. E se você é um ou uma que gosta, ganha a fita e pode até se perder no conteúdo só pra viajar na construção das rimas. Sou desses.


Eu sou da rima, da poesia e pra piorar o pacote de coisas que ninguém liga, sou ainda do samba. Ah, mas você vai me dizer: o samba é popular, muita gente gosta. Sim, o pessoal gosta da festa, do carnaval, dos pagodjé (obrigado Thiaguinho, não poderia nos oferecer termo mais sonoro e adequado pra distinguir samba, pagode e esse som descendente do que um dia foi nosso som original).


O samba é ou era pra ser poesia, história (o samba enredo, mesmo comercializado, ainda cumpre esse papel). A poesia do samba fica só pros termos: Jorge Aragão, o poeta do samba. Fulano de tal é “um dos poetas do samba”, como cantou Zeca Pagodinho, em 1992, no disco que leva exatamente esse nome.


O samba, em sua essência de poesia, sabe quem liga? Alguns poucos poetas, muitos especialistas na poesia talvez não conheçam o mundo do samba internamente. Então, é assim: o músico nem sempre gosta de poesia. O poeta nem gosta de samba e, às vezes, nem o próprio poeta gosta de poesia. Como assim?


Se possível, você ouve as músicas dos seus amigos? Você lê o que a galera do seu quarteirão, do seu bairro, da sua cidade escreve?


Por muita gente não gostar de verdade de poesia, o espaço fica reduzido ao formato microfone aberto, batalhas disso, batalhas daquilo, saraus e slams. O próprio slam é um contraponto: o formato de confronto, duelo de textos traz a seguinte reflexão: escrever para desabafar, pra contar o que sinto ou para lacrar no rolê? E falo isso sem demérito algum, ok? A galera que conheço de slams são ultra mega power escritores. Mas, o intuito pode se modificar. A palavra pode ser outra para arrancar um pow pow pow com suas rimas. E de forma racional, pensado exclusivamente pra isso.


Quando assisti ao filme-documentário ‘Slam: A Voz de Levante’, entendi a origem: o dono do bar que rolava o microfone aberto para poesias percebeu que havia uma debandada de público nessa hora e, como todo mundo gosta de uma treta, que tal confrontar poesias? Hoje, sucesso com o formato, slammers alçaram voos lindos e histórias inspiradoras. Poesia, por si só, ninguém liga. Se não houver confronto, duelo... Duelar versos, ideias, sentimentos... já não bastam os confrontos internos que nos fazem escrever poesias?


E a gente segue escrevendo, mesmo que ninguém ligue.

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