terça-feira, novembro 24, 2009

Revolta

Reclamam que sou revoltado,
Até me excluem das coisas por isso
Agora, entenda meu lado...
Como querem que eu não fique irado?
Mal tenho pra comer
O que tenho divido com os ratos e baratas
que comem as migalhas
do resto que eu arrumo pra mastigar
É só pra ficar em pé mesmo
Nem sei pra quê, mas essa é a ordem
Não sei o que é sentar à mesa para almoçar
Jantar nem se fala
Só na novela vejo a família reunida
Com a mesa farta de comida
Não importa a refeição
Em casa nem mesa tem
Nem precisa também
Mal tem o que por sobre ela
Talvez a TV pra ver a novela
Tem lá uma panela velha e uma tigela
A fome é só uma das coisas que me flagela
Tanta coisa me fere o corpo e a mente
Penso que sou um doente
De uma epidemia incurável
Sou pobre
Ou melhor, para alguns, um miserável
Tenho a alma nobre
Quero estudar, aprender, mas passo por tanta treta
Vejo tanta mutreta, tanto picareta com uma poderosa caneta
Posando com sorriso
Uma risada com cinismo estampado
Mas garoto, por que você é tão revoltado?
Minha professora me olha com nojo, com desdém
Coitadinho, futuro Febem
Proponho um desafio
Sobreviva meio dia onde eu moro
Só doze horas, nada mais
Passo fome, passo medo, passo frio
Eu seguro a onda e não choro
Quer tentar?
Usar só roupa doada,
Viver só de sobra, de resto
Sempre ouço que eu não presto
Que não tenho jeito
Depois exigem respeito?
Se não sirvo pra nada,
Se sou caso perdido,
Se sou peste ou porcaria,
Não reclame minha rebeldia
Tenho vontade de bater
Chutar, agredir, espancar
Descontar tudo o que eu apanho
Tapa e soco que eu ganho
Ainda julgam ato estranho
Eu me revoltar
Moleque violento!
Mas, acredite, não sou mau
Sou fruto do meio
Tem horas que perco o freio
É até normal
Querem que eu seja feliz
Que estude, que seja bom aluno
Que eu tenha educação
Que não fale palavrão,
Querem um monte de coisas boas pra mim
Mas ninguém faz por onde
Não me mostram: é assim!
A felicidade só se esconde
Não me ensinam o caminho
Só me tratam como espinho
Sobrevivo sozinho
Mostram a África na TV
Só miséria pra se ver
Não preciso cruzar o oceano
Pra ver desgraça e a fome
Ela todo dia me consome
Querem me ver cheirosinho,
De banhinho tomado,
com material arrumado
Prestando atenção na aula
Mas me tratam pior que um bicho
Sou jogado em uma jaula
Com mais um monte de animais
É o que dizem meus professores,
Inclusive meus pais,
Se eu não acreditar neles,
vou acreditar em quem mais?

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