quarta-feira, novembro 09, 2016

Como de costume! (01)

Hoje, pra sair um pouco do formato poesia e também porque, mais do que a combinação sonora das palavras, pretendo aqui desabafar algumas percepções de como somos educados, não raras vezes, por caminhos quase nada lógicos, humanos, enfim.

A partir daqui, alguns já abandonaram este texto, pois esse papo de humanidade quase que cansa. Perceba isso: nós, humanos, por definição genética e biológica dispensamos nosso diferencial poder perante os outros seres vivos que, segundo a ciência, é ser racional para desumanizarmos cada vez mais nosso dia a dia.

Desumanizamos com o avanço tecnológico e invenção de novas máquinas; desumanizamos, por exemplo, com a retirada de um dos profissionais que mais tem história pra contar no dia a dia: o cobrador, no ônibus. Hoje, o motorista (em alguns casos) cobra e dirige; isso quando a maquininha já não resolve toda a demanda.

Mas, esse texto não é pra falar sobre classes trabalhistas. Voltando a questão da humanização, estamos tentando nos tornar robôs para competirmos com eles, até na atenção de outras pessoas na mais simples conversa. Quem sabe você virando um robô, não fica com o aspecto de ser algo novo tecnologicamente falando e os celulares que desviam e prendem frequentemente a atenção do nosso interlocutor percam espaço para nosso novo perfil robótico?

Assim como no robô, tudo funciona por uma programação. Estamos muito próximos de, infelizmente, concretizarmos nosso processo de desumanizar, ou seja, reduzir a pó nosso diferencial de seres racionais para obedecermos à programação estabelecida pelos pais, TV, escola, igreja.

Tudo é por costume, por tradição. Longe de pregar desrespeito ou a quebra de alguns ritos tradicionalíssimos. Mas, se refletirmos um pouco mais sobre eles, veremos o quanto somos ilógicos em nosso ideal e atos, por que não dizer até incoerentes?

Acumulamos roupas, tralhas, dinheiro, bugigangas das mais variadas ao longo de uma vida. Por quê? Porque assim nos foi ensinado. Desprender-se é muito complicado, porque isso também nos foi ensinado. Em reflexão por esses dias, pensei: por que eu preciso de tantas peças nesse guarda roupas? Ou pior: eu preciso? E isso se estende do guarda-roupas à sapateira, passando pelo cantinho da bagunça, enfim, pela nossa vida.

Não digo aqui pra ter uma mochilinha de mão e embarcar pelo mundo. Mas, quando percebemos esse exagero, a reversão não é só decidir mudar e pronto. É uma reeducação, assim como quem sempre comeu guloseimas e fast-food e, de repente, tem que mudar os hábitos para um cardápio mais saudável, por questões de saúde ou qualquer outro motivo. Mais do que a consequência, o resultado dessa mudança, mais angustiante nessa escala, é a causa, a razão: O COSTUME.

Esses dias, ao ler a postagem de uma amiga no facebook durante a distribuição de marmitas para moradores de rua, refleti: 1) quantos outros amigos vi fazendo isso (inclusive eu)? 2) geralmente, no face, as pessoas postam fotos de baladas, festas, mas, isso, não. 3) (essa foi a que mais me agoniou) acompanhe o raciocino: pensei que meu tempo era escasso para contribuir assim como ela fazia, porém, essa missão era feita em seu horário fora de trabalho, livre. Logo, seria um momento que ela poderia aproveitar para o lazer dela, seja ele qual for; muitas vezes deixamos de fazer algo beneficente porque não queremos nos privar do momento de lazer que nos resta. E não queremos fazer isso por não considerarmos a atividade de ajudar os outros, um lazer; para alguns, é até um fardo.

Então, ignoramos a necessidade do nosso próximo para irmos a qualquer lugar do nosso interesse, pois, esse passeio que fazemos é prioridade em comparação à qualquer iniciativa como a desta minha amiga. Novamente não digo que é preciso abrir mão de tudo, mas, nossa essência foi formada pensando primordialmente no “eu” e, depois, se sobrar tempo, no outro.

E, por costume, fazemos ou deixamos de fazer tanta coisa. Nosso hábito prevalece à reação. O ato de reagir implica em uma resposta a uma ação inicial, porém, por vezes, inúmeras até, somos repetidores de mantras, do que nos disseram, do que nos foi ensinado, do que nos foi passado como o certo, “é assim”, “sempre foi desse jeito”, “sempre funcionou dessa forma”, “num mexe não, deixa como está, tá bom assim”.

Com todo esse contexto, nossa geração, talvez até algumas pra trás e outras pra frente ainda sofrem e sofrerão com nossa forma animal de responder aos estímulos, que responde aos comandos do treinador que, se rolar e fingir de morto, ganha um biscoitinho e, por isso, agiu corretamente. E os filhotes reproduzem a reação.

Outro exemplo claro de atitudes que fazemos por repetição é o de ligar a TV. Habitualmente, muitas pessoas pegam o controle remoto e imediatamente antes de procurar algo que as interesse assistir, procuram a Globo e, depois, começam a zapear, pra cima ou pra baixo. Mas, esse hábito de ir primeiro em determinada emissora, geralmente, a Globo, faz com que isso vire um hábito e às vezes, nem inicia a próxima busca. Estaciona ali mesmo e seja qual for a programação no ar, ali permanece, quase como uma hipnose.

Exemplo disso é a onda de violência que estamos propagando e ao mesmo tempo, lamentando dela ser nossa realidade. É mais do que triste isso. A tal hipnose que citei no parágrafo anterior faz com que nosso hábito bloqueie uma reação natural humana de alguém sem estar sob o efeito da hipnose. Na TV, programas jornalísticos sensacionalistas que têm como principal pauta os casos de criminalidade geram tamanha revolta nas famílias que aos poucos adquirem um potencial de se tornarem os justiceiros e vingadores de todo o mal.
O acúmulo da revolta diária com a violência que invade as casas coloca no cidadão o medo, o preparo para o combate e deixa os nervos mais aflorados para qualquer situação. É natural que o alerta do risco que você vê pela TV por duas ou até mais horas no seu dia te deixe a ponto de enfrentar até o exército americano, se preciso. Você vai se revoltando, se preparando. Não que não precise, mas, se a TV divulgasse mais coisas boas que acontecem, talvez nos ocupássemos mais com isso e talvez, a propagação das coisas ruins diminuiriam também. Acredito muito nisso.

Ainda nesse tema propagação da violência, faço uma pergunta para que reflita antes de seguir a leitura. Quando você chega em casa, depois do trabalho, quer relaxar ou manter a tensão do dia a dia?
...
Se você quer se manter tenso, siga nas programações oferecidas que temos por aí. Se sua resposta foi relaxar, por que para em frente à TV para ver produções (novelas, séries, filmes) em que predominam os momentos tensos, de violência, seja a sexual, física, verbal, racista, sexista, religiosa? Não parece muito condizente com o tradicional discurso generalizado que após o trabalho, buscamos em nosso lar o lazer, o descanso e quem sabe até, a diversão? Quer outro exemplo?

Pare em qualquer barzinho de centro de cidade, de bairro periférico, barzinho de vila, como se diz, e repare no que está passando na TV. Geralmente, crimes nos programas sensacionalistas que falamos há pouco. Responda-me: é lógico você parar para comer algo ou tomar uma gelada pra relaxar com cenas de assassinato explicito? Se sua resposta foi sim, por favor, gostaria de entender melhor essa lógica. Por favor, entre em contato. Se respondeu não, por que fazemos ou não nos posicionamos sobre isso? Não nos incomodamos? É sério isso...

Quando há a acomodação nesses aspectos, implica que aceitamos, pois é costumeiro, não é novidade; o que é mais assustador ainda.

De costume em costume, deixamos a racionalidade em segundo plano. Da lógica do que fazemos ou deixamos de fazer, assistimos ou não, pouco se baseia num fundamento que tenhamos formado sobre aquilo. Com esse texto, não pretendo fazer com que você a partir de agora comece a racionalizar tudo, impor lógica e explicação para o que vai fazer ou escolher. Só proponho a reflexão se realmente pra você faz sentido alguns atos. E mais, se eles condizem com o discurso que fazemos no dia a dia.

Em sequência a estes questionamentos, e após nova reflexão que fiz sobre a onda violenta que invade nossa casa e pior, nossa cabeça, proponho que aponte quais programas assiste e durante a audiência, tente por alguns segundos fechar os olhos e se concentrar no som. A compreensão do que se assiste, para alguns, é visual. Para outros, sonora. Independente de qual sentido você tenha mais apurado, insisto que concentre-se na audição de suas programações favoritas.

Posso apostar que quase na totalidade dessas atrações, vai ouvir gritos, trilhas tensas, pancadas, agressões e tramas que envolvem traições, corrupção, planos de prejudicar ou quem sabe até matar alguém. 

Acredito muito que reproduzimos aquilo que lembramos. Quando trabalhei em rádio, nas ocasiões que tocava, por exemplo, um rock dos anos 80, pouco tradicional na programação, predominantemente sertaneja, era fatal alguns minutos depois ou no dia seguinte, outro ouvinte ligar e pedir alguma outra música do mesmo gênero, da mesma banda ou mesmo estilo. Outro exemplo claro disso são as trilhas de novela que, no dia seguinte após o capítulo final, ninguém mais pedia. 

Então, concentrando-nos na máxima que reproduzimos o que lembramos e se ouvimos e assistimos conteúdos repletos de violência, gritos e pancadas, é isso que assimilamos. E pior, é só isso. E pior ainda: vira nosso costume reações mais agressivas, pois aquilo não soa mais como estupidez ou brutalidade. É normal. E nessa normalidade, implantamos no nosso dia a dia.

Nesse nosso costume, as nossas preferências se adequam a isso que nos é oferecido. Tudo muito veloz, com impacto, com som alto, com tudo que teria as condições para nos irritar e não para ser nossa opção nos momentos de lazer. Não temos paciência com programas em formatos mais documentários, com transições mais lentas de imagem, com cores menos impactantes e vivas. Aquilo soa como chato. O mesmo acontece com emissoras de rádio que têm um perfil, digamos assim, menos agitados, na seleção musical e na locução de sua equipe.

Programas mais informativos, mais focados no conteúdo e menos na velocidade estética exigida, perdem espaço. E com tanta informação jogada pra você, você também perde espaço... pra pensar, pra refletir sobre o que viu. Como não dá tempo, assimila só os gritos, agressões e vida que segue.

O tal do costume se estende também para a música. Além do gosto quase genético, do aprendizado em casa, a molecada aprende a ouvir música nas festinhas da escola, nos aniversários dos colegas, no rádio do carro, em casa, na TV, pelo celular, YouTube... Aí também peço sua atenção à intensidade de tudo o que ouve. Não pelo gênero, mas, pela pressão que recebe esse conteúdo sonoro. O rock pesado e a música erudita podem transitar pelos seus aparelhos sonoros com a mais intensa qualidade para não ser prejudicial e levar a você, acima de tudo, MÚSICA. Já que é pra fazer bem, permita que ela faça. Porém, não se deixe seguir pelo "de costume". Quem é underground (detesto esses termos americanizados), quem prefere músicas diferentes da maioria é quase que, naturalmente, excluído. E nesse grupinho prevalece o som do momento, aí até rimando, cada vez mais barulhento. 

Esse texto, insisto para você que continuou até aqui, não tem a pretensão de ser um adestrador para que você mude todos os seus hábitos; até porque é exatamente esse o contexto: a revolta contra essa nossa forma de fazer tudo "Como de Costume" e seguir às normas e padrões que sei lá quem impôs.


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